Por Raimundo Delgado
Ter que imigrar é um crime. Enquanto que, nós, imigrantes, nos consideramos privilegiados porque imigramos, o custo para o nosso bem estar é incalculável. Ninguém devia ter deixado o torrão onde nasceu.
Examinemos o preço que todos pagamos quando abandonamos a nossa terra. Cortados foram todos os nossos laços com família e amigos. A nossa alma tornou-se dividida em pedaços. A nossa busca para melhorar as coisas é constante.
A luta para sentirmo-nos completos nunca acaba. É uma luta constante sempre a desejar que estivéssemos noutro lugar. E quando regressamos brevemente à nossa terra, o nosso espírito busca a nossa segunda casa, a família e amigos que deixamos atrás. Alguns regressam à terra de origem permanentemente e encontram-se num estado de confusão, angústia e desejo de estar com os seus familiares na terra adoptada.
“Nunca devíamos ter saído da nossa terra, a nossa querida Ponta Delgada”, diz regularmente minha mãe, que conta 86 anos de idade. A dor de ser uma expatriada, de ter que abandonar a sua igreja, a Matriz, a casa e o prédio da família, amigos é ainda difícil de engolir.
Enquanto que alguns podem considerar isto uma perspectiva ingrata para com um país que providencia oportunidades económicas, a questão não é dinheiro, uma casa, ou até mesmo um trabalho, a questão é imigrar em si mesmo. Enquanto que milhões atravessam fronteiras sem documentos em busca de melhor vida, o preço é alto demais para abandonar a nossa terra.
O pior é quando andamos nas ruas e bairros da nossa terra de origem, a aldeia que nos viu nascer, e todos olham para nós como se fossemos estrangeiros. Isto é um verdadeiro crime, o facto que nos tornamos estrangeiros na nossa terra. Na realidade, um imigrante não pode regressar à sua terra.
Não existe nada mais triste como as olhadelas dos nossos compatriotas que nos consideram como forasteiros. E na terra adoptada sabemos e sentimos que não pertencemos. Sentimos pressionados para mudar os nossos nomes. Para dar nomes aos nossos filhos que sejam aceitáveis à nova cultura e língua.
Sentimo-nos forçados a derretermo-nos numa panela imaginária de todas as raças que não existe, mas vive na cabeça daqueles que se consideram superiores porque nasceram no país de acolhimento.
Ninguém deve ser culpado. O crime foi cometido quando abandonamos, há muito, a nossa terra, para a qual jamais regressaremos.
Apesar de tudo, nenhum de nós, imigrantes, com ou sem passaporte americano, devia ter vindo. A nossa terra teria beneficiado com o nosso suor e com a nossa vontade de vencer. Apesar da doença que nós imigrantes sofremos, milhões imigrariam para cá, ou outros países de oportunidade, sem pensar duas vezes.
A luta, a dor, e a ideia que somos estrangeiros e estranhos na terra que dedicamos à nossa vida, e onde seremos enterrados, é demasiado para suportar.
Imigrar é um crime que mata a nossa alma, embora a grande maioria considera imigrar uma bênção. E isto é uma triste dicotomia, é uma contradição inerente para aqueles que pensam que ser um imigrante é algo que se deva escrever à família, porque nós não temos mais um torrão que possamos dizer que é nosso.
Podemos ter um telhado sobre as nossas cabeças, mas tornamo-nos vagabundos na terra dos imigrantes. Vivemos no estrangeiro como nómadas no deserto.
A diferença é que eles sabem onde estão e para onde vão enquanto que nós buscamos o nosso lar constantemente. Não é o lugar que nos viu nascer, nem o lugar onde dormimos todas as noites.
New Bedford, Massachusetts, USA
25 de Dezembro de 2010