Porque eu sou desapegado das datas públicas, só hoje me veio o sentimento do dia das crianças. E aí pensei numa das muitas infâncias que perdi por estar irremediavelmente longe. Quando a gente se encontrou da última vez, a idade já tinha chegado para ela. Fazia tempo demais. Eu não tinha ilusões, não esperava ser reconhecido. Os laços de sangue são os menos apertados e, como crescemos distantes, eu deveria ser para ela apenas um nome que alguém mencionou um dia nos últimos muitos anos. A gente se olhou e eu me arrependi por ter chegado tarde demais para muitas coisas. Eu queria ter tido a chance de saber mais sobre ela. Naquele dia, pela primeira vez, me dei conta de que ela já tinha sido criança. E eu não tinha - e ainda agora não tenho - a menor ideia de como foi aquele período para ela. Sempre considerei a mulher pronta que conheci, e não a pessoa em formação, o conjunto de acontecimentos que a fizeram como é. Eu daria tudo pra voltar, com o interesse de hoje, à época em que nos conhecemos. Queria perguntar como foi tudo. Como ela se sentia, do que brincou, o que planejou para a vida. Tenho essa impressão devastadora de que ela é uma dessas criaturas ingênuas que se conformaram em aceitar o que veio. Que viveu sem lutar, pra não chatear os outros. E por isso, não sei se foi feliz. Antigamente ela ria das pequenas coisas. Mas pode ser que não risse por achar graça. Quando sacaneávamos o jeito dela de espirrar, talvez não fosse engraçado. Talvez ela risse apenas porque aceitava, como sempre aceitou, o que era agradável para os outros. Lembro que ela sempre me elogiava quando eu ia ao barbeiro, mas fico parecendo um ET orelhudo de cabelo cortado, e até isso é uma prova do quanto ela se esforçou a vida inteira para agradar. Se eu puxar a memória até o fundo, só consigo lembrar de um gosto dela. Doce. De todo o tipo. Pensando agora, parece que ela buscou no açúcar o sabor que faltava nos acontecimentos da vida. É por isso que, embora minhas escolhas me obriguem a não acompanhar a vida de tantas crianças que nasceram dos meus amados nos últimos anos, é a infância dessa pessoa que nasceu lá atrás que me interessa tanto hoje.
Naquele nosso último encontro, no meio da minha insegurança, ela me abraçou sem cerimônia e me enxergou mais de duas décadas atrás. Por um momento, a pele marcada em volta dos nossos velhos olhos serviu como moldura antiga pro mesmo olhar jovem de quando nos conhecemos. Ela falou meu nome quando eu perguntei: "Vó, vc lembra quem eu sou?". E a boa memória dela me castigou por eu ter sido negligente todos esses anos...
Eu perdi, sem cerimônia, a oportunidade de falar ontem com as crianças da minha vida. Mas hoje eu vou ligar para a minha avó... Obrigado por estar viva, dona Idalice!
BY http://www.madrugaemclaro.blogspot.com.br/
Naquele nosso último encontro, no meio da minha insegurança, ela me abraçou sem cerimônia e me enxergou mais de duas décadas atrás. Por um momento, a pele marcada em volta dos nossos velhos olhos serviu como moldura antiga pro mesmo olhar jovem de quando nos conhecemos. Ela falou meu nome quando eu perguntei: "Vó, vc lembra quem eu sou?". E a boa memória dela me castigou por eu ter sido negligente todos esses anos...
Eu perdi, sem cerimônia, a oportunidade de falar ontem com as crianças da minha vida. Mas hoje eu vou ligar para a minha avó... Obrigado por estar viva, dona Idalice!
BY http://www.madrugaemclaro.blogspot.com.br/
Nenhum comentário:
Postar um comentário